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Um local de Porto Alegre: a Palavraria, local para livros e convivência


Uma livraria que não é apenas um local de compra e venda | Ramiro Furquim/Sul21
Milton Ribeiro
Os três sócios da Palavraria (Vasco da Gama, 165, Bonfim, Porto Alegre, (51) 3268 4260) têm algo em comum além dos nomes. Carla Osório, Carlos Luiz da Silva e Luiz Heron da Silva eram amigos que tinham diferentes profissões. Carla era advogada; Heron, professor de português, e Carlos, bibliotecário. Mas eles queriam ter uma livraria que não fosse apenas um local de compra e venda. “Há nove anos, criamos um projeto do qual não nos afastamos até hoje”, diz Carla. Eles procuravam e não conseguiam encontrar uma livraria que fosse um lugar onde quem vendesse os livros soubesse o que estava vendendo, que soubesse conversar sobre eles e sugerir alternativas se a obra procurada não estivesse disponível. Se agregasse um café, melhor. “Boas livrarias existiam e existem, a Bamboletras, o Gustavo da Ventura e outros estão aí, mas nós queríamos não apenas o acervo e a compra interessante, mas outras coisas que tornassem o ambiente mais agradável”.
Carla: “Há nove anos, criamos um projeto do qual não nos afastamos até hoje" | Ramiro Furquim/Sul21
A mistura de livraria com café foi desaconselhada em todas as consultas, mas o trio insistiu em colocar a livraria no mesmo ambiente do café. “Tínhamos razão nisso”. Nas livrarias convencionais só se pode levar os livros da livraria para a cafeteria se os mesmos já estiverem comprados. Na Palavraria não. Nela, o cliente pode namorar com calma os livros a fim de estabelecer uma relação antes do casamento. “O que nos interessa é deixar o cliente à vontade num ambiente agradável”, diz Heron. E se o cliente, durante a abordagem, sujar o livro de café? Bem, é o ônus. “Logo que inauguramos, um amigo nosso derrubou uma xícara cheia sobre livros de arte… Sobre vários livros… É um risco que a gente aceita correr porque as vantagens são imensas. Via de regra, nossos clientes cuidam muito bem dos livros”.
O primeiro café que Carla fez foi para Flávio Koutzii. “Eu recém estava aprendendo a fazer café expresso e me resolvi me arriscar com ele. Ele começou a bebê-lo e eu perguntei como estava. A resposta foi: ‘O café está bom, mas alguns diriam que está morno como o dia de hoje…’”.
Hoje, o café é servido quente... | Ramiro Furquim/Sul21
Heron diz que os sócios sempre quiseram estar num negócio do qual gostassem. “Há trabalhos em que tu fazes o que tens que fazer e outros em que tu consegues fazer o que gosta, sem muito ‘tarefismo’”. Atrair um público que gostasse de literatura, política e arte era algo motivador. Os clientes entenderam o espírito da coisa. “Muita gente vem aqui para conversar, para conviver num local agradável. Claro, as pessoas falam sobre qualquer assunto, mas a efervescência, a perspectiva cultural é mantida, o que torna tudo mais interessante, mesmo que se trate de assuntos comuns como o futebol ou uma nova cor de batom. Não raro se encontram escritores numa mesa, editores noutra, leitores noutra, além dos que vêm apenas tomar café e dar uma folheada nas novidades”.
Ou seja, a livraria é o suporte, o café é um local de encontro e isso faz sentido do ponto de vista antropológico, pois as pessoas se entendem melhor comendo e bebendo. Dentro deste clima, a Palavaria tornou-se um local de fomento cultural, de incentivo, de divulgação, um local onde os produtores culturais, artistas, cientistas, etc. apresentam trabalhos, expõem ideias e fazem interações com o público interessado. “Provemos a livraria de uma discussão, de uma conversa constante, programática ou não. Então, desde o projeto – procuramos uma casa de dois pisos para que pudéssemos viabilizar uma sala de aula – , previmos oficinas literárias, leituras, bate-papos e música. Mantemos um discurso cultural formal e informal”, explica Carla.
Heron: "Não raro se encontram escritores numa mesa, editores noutra, leitores noutra, além dos que vêm apenas tomar café e dar uma folhada nas novidades”. | Ramiro Furquim/Sul21
Atrás da mesa onde conversamos, há um microfone e um pequeno palco, mas a atmosfera de proximidade não é quebrada, “É uma ideia pretensiosa manter um espaço assim, ainda mais que não temos marketing profissional”.
No segundo andar da Palavraria, há uma sala que serve às duas oficinas mantidas atualmente: uma de Charles Kiefer, voltada ao romance e ao conto, e outra de Ronald Augusto, voltada à poesia. A sala também serve para seminários, cursos e está disponível para ser utilizada. Aliás, o Sul21 realizou suas primeiras reuniões e foi em parte concebido na sala da Palavraria. “Temos planos de ampliar a programação. Provocamos pessoas a ministrar cursos aqui. O público é muito variado. O perfil das turmas da manhã e da noite são diversos e a tentativa é fugir daquilo que se encontra na academia.”
“Um espaço como o nosso está na contramão da história. Não somos um oligopólio, uma megalivraria, não vamos vender eletrodomésticos… Somos uma pequena livraria de bairro, segmentada, de rua, não temos nem estacionamento. A gente privilegia as relações pessoais, o relacionamento direto, o conhecimento dos livros dos quais nossos clientes gostam. Também sugerimos presentes tendo por base o gosto do presenteado. Aqui ninguém vai levar um romance político para quem gosta de algo intimista. Pessoalmente, ter abrido a Palavraria foi muito enriquecedor do ponto de vista humano e intelectual. Aprendemos muito mais a lidar com a diversidade do que antes da livraria”, explica Carla.
Heron sublinha que há uma troca, que com o tempo os clientes também passam a indicar livros. Mas revela: “Temos a preocupação de respeitar o perfil do cliente, de não sermos invasivos. Mas valorizamos o vínculo”.
"A gente privilegia as relações pessoais, o relacionamento direto, o conhecimento dos livros dos quais nossos clientes gostam." | Ramiro Furquim/Sul21
A Palavraria também costuma apoiar os autores gaúchos e os que frequentam a livraria. Mas tampouco esta é atitude destituída de conceito. “Faz falta uma crítica confiável que possa auxiliar no julgamento de nossa contemporaneidade, que procure fazer uma síntese do que acontece em termos de ofertas culturais nesta cidade e no estado. Queremos contribuir com isso divulgando tais trabalhos. Acho que não nos cabe julgar, cabe é divulgar ao máximo os autores locais para que as coisas deixem de ser avaliadas pelas conhecidas perversões provincianas do tipo não-li-e-não-gostei. É difícil julgar o novo, mas para que a arte se desenvolva e possa ser avaliada no futuro, ela tem de ser apresentada e vendida”, afirma Heron.
E, se o visitante quiser arranjar uma discussão civilizada na Palavraria, basta rebaixar gratuitamente um autor novo. “Deixemos que a história julgue se é bom ou não. Temos que tornar os autores lidos a fim de possam construir uma história. Nós colocamos o escritor desconhecido ao lado de Tolstói. Não nos damos autoridade para retirar um autor novo da vitrine”.

Postado no Blog Sul21 em 07/12/2012

Só quem ama os livros entende o charme do lugar


Paris: Shakespeare and Company ou Morre George Whitman



Foto: Milton Ribeiro
Publicado com profundos cortes pessoais e de ordem comportamental — feitos por mim mesmo — no Sul21 na última segunda-feira. Copio aqui só para acrescentar algumas fotos mesmo.
Num fim de semana onde os obituários estiveram cheios de celebridades — Christopher Hitchens, Cesária Évora, Sérgio Britto, o Santos, Joãosinho Trinta, Václav Havel, Kim Jong-il — a morte de George Whitman passou quase em branco. Whitman, dono da mítica livraria Shakespeare & Company, localizada na margem esquerda do Sena, em Paris, morreu aos 98 anos em seu apartamento. Ele sofrera um derrame em outubro, mas recusou-se a ficar no hospital, exigindo ser levado para casa, que fica no andar de cima da livraria.
Fazer uma referência a uma livraria de Paris que só vende romances e ensaios literários em inglês pode parecer produto do mais puro elitismo, mas não pensamos ser o caso.
A livraria foi aberta em 1951 e — além de ser um extraordinário sebo e livraria — serve de abrigo a escritores em início de carreira para que tenham teto e/ou trabalho até que terminem seus livros. Lá também ocorrem chás literários e encontros com autores, quaisquer autores.
Whitman nasceu nos Estados Unidos em 1913, Viveu parte da infância na China. Mudou-se para Paris em 1948. Segundo ele, na época, uma bicicleta e um gato eram suas únicas posses. Em 1951, abriu a livraria Le Mistral, rebatizando-a como Shakespeare & Company em 1964, em homenagem a Sylvia Beach, proprietária da Shakespeare & Company original, responsável, por exemplo, pela primeira edição de Ulisses, de James Joyce. Quando falecera, em 1962, Sylvia Beach deixara para Whitman os direitos de uso do nome e livros.

James_Joyce com Sylvia Beach na Shakespeare & Co original (Paris, 1920)

Uma das estantes da livraria que fazem referência a Sylvia Beach | Foto: Milton Ribeiro
Imediatamente famosa no meio literário, a loja virou ponto de encontro de escritores como Arthur Miller, James Baldwin, Samuel Beckett, Anaïs Nin, Lawrence Durrel, William Burroughs, Gregory Corso, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e rota turística para os apaixonados pela literatura. No andar de cima da livraria vivia não apenas Whitman e família, mas diversos candidatos a escritores. Reza a lenda que, desde 1964, lá dormiram mais de 40 mil pessoas diferentes entre os livros. O pagamento pela hospedagem era escrever, ler e varrer a livraria. Alguns também atendiam no balcão e na cozinha. Outra lenda diz que Whitman aconselhava a saída de autores que estavam lá há mais de ano…
Whitman viva de acordo com o lema retirado de um poema de W. B. Yeats e que está pintado numa das paredes internas — “Seja hospitaleiro com todos, alguns podem ser anjos disfarçados” (tradução livre). Durante o final de semana, velas, flores e romances foram depositados na porta da Shakespeare, fechada pelo luto. Bilhetes de homenagens foram colados com agradecimentos e elogios.

Hoje, há prateleiras em torno da citação | Foto: Blog Hipsters & Company
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A Shakespeare and Company é o sonho do bibliófilo. Os livros — normalmente revelantes ou raros — podem ser vistos em toda parte: nas paredes, no meio da loja, nas escadas, em todo canto, sobrando pouco espaço para a circulação. Para completar, no espaço atulhado ainda há alguns locais com cadeiras e bancos para leitura. Também há um piano, sobre o qual pode ser lido um cartaz sugerindo que se toque apenas música erudita ou jazz. Os outros cartazes pedem para que os leitores nunca, jamais sejam perturbados, fato que faz com que o som da livraria seja um complicado contraponto de passos e sussurros. Na escada para o andar de cima, só uma pessoa passa de cada vez. Na verdade, a mais famosa livraria do mundo é apenas um pequeno caos onde se vende livros bem escolhidos, onde há cadeiras confortáveis e onde há a promessa de solidariedade. Nada de mega-ultra-hiper. O teto não é pintado há anos e é difícil imaginar como poderia sê-lo sem a retirada dos volumes. A atmosfera é tão acolhedora que o visitante tem a fantasia de que o conhecimento que está nos livros, sob alguma forma misteriosa, entra-lhe pelos poros quando está na livraria.
A livraria, que já era administrada pela filha de George, Sylvia Beach Whitman, seguirá ativa.
O que há bem na frente da Shakespeare? Ora, a Catedral de Notre Dame, mas, para alguns, há dúvidas sobre quem é mais catedral. Abaixo, mais fotos da livraria de Whitman:

A entrada principal | Foto: Claudia Antonini

A porta auxiliar da livraria | Foto: Claudia Antonini

O grande homenageado | Foto: Milton Ribeiro

Uma das vitrines que dá para a Catedral de Notre Dame | Foto: Claudia Antonini

O caos interno | Foto: Blog Hipsters & Company

Sylvia Beach Whitman e seu pai, George

Do lado direito, vê-se uma nesguinha de porta. É onde morava George Whitman no segundo andar da Shakespeare and Co. | Foto: Claudia Antonini

Eu estou fotografando a epígrafe de Daniel Martin, do grande John Fowles | Foto: Claudia Antonini

A epígrafe de Gramsci | Foto: Milton Ribeiro

A Claudia e o Dario dizem que os livros têm o poder de me deixar quieto. Sei lá, eu SOU quieto! | Foto: Claudia Antonini

A localização da Shakespeare em relação à capelinha medieval de Notre Dame | Foto experimental de Claudia Antonini

Comparar Notre Dame com a Shakespeare... Piada, né? | Foto: Claudia Antonini

Sylvia, a filha. 30 anos. Bonita, não?

Postado por Milton Ribeiro no Blog do Milton Ribeiro em 21/12/2011