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Ao Brasil, com amor



Jamil Chade, Juliana Monteiro | pandemia (Foto: Reprodução Reuters)


Apresentação do livro recém-lançado de Juliana Monteiro &
 Jamil Chade


Por Renato Janine Ribeiro

Amor é uma palavra onipresente em nossa sociedade. É um dos instrumentos mais poderosos do marketing atual. Amor vende quase qualquer produto. Mas por isso mesmo é importante saber o que ele quer dizer. Os estudiosos se dividem entre os que sustentam a existência de um “verdadeiro amor” e os que aceitam que haja vários tipos dele. A primeira distinção talvez seja entre um amor erótico, predatório no limite, e um amor dedicado, que no seu limite é doação, é o amor materno pelo filho. Não por acaso, nesta bela troca de cartas, tanto Juliana Monteiro quanto Jamil Chade falam da experiência que tiveram ao nascerem seus filhos.

Juliana tece uma oposição entre maternidade e guerra. Vingar, diz ela, para uma mãe, é ver seu rebento vingar, como dizemos de uma planta: é consolidar-se como ser vivo. (É muito diferente, praticamente o oposto, de vingar-se). Mães temem, por dias ou meses, talvez anos, que algo de ruim suceda a seu filho. Felizmente, acrescento eu, a mortalidade infantil despencou no último século, mercê especialmente da saúde pública, da água potável e do tratamento dos esgotos. A morte de crianças caiu, por milhar de nascimentos, de três dígitos para apenas um.

Pais não precisam mais ter inúmeros filhos para que sobrevivam um ou dois que, por sua vez, os amparem na velhice. Jamil fala do receio que teve, ao nascer seu filho Pol, de perdê-lo. Lembrei-me de Montaigne contando que teve “dois ou três” filhos que morreram em tenra infância. Comentando essa passagem, o historiador Philippe Ariès observa: qual pai, hoje em dia, não saberia se foram duas ou três as crianças que morreram na idade de 1 ou 2 anos? Haveria uma frieza maior naquela época ou simplesmente era tão comum a mortalidade infantil que já era aguardada a perda, e a memória se adaptava a ela?

Usualmente, quando falamos em amor, a tendência é distingui-lo da paixão. As definições clássicas de amor o identificam a querer o bem da pessoa amada – o que tem tudo a ver com o amor aos filhos, que antes mencionei. Mas o sentido usual de amor, na cultura atual, como a telenovela e a canção popular, está mais próximo do desejo sexual. Ora, este almeja o bem do amante mais que o da pessoa amada (ou desejada). Crimes passionais são justamente isso: se ela não vai ser minha, que morra.

Minha primeira orientadora, dona Gilda de Mello e Souza, se indignou quando Doca Street assassinou Ângela Diniz no final de 1976. E me disse algo assim: crime passional é uma farsa; para acreditar que um homem não possa viver sem a pessoa que ele diz amar, a lógica seria que ele se matasse. Matá-la e sobreviver mostra muito bem que esse suposto amor era mentira. Não era o querer bem ao outro, mas o desejo de dominá-lo.

Ora, somos inundados por uma mídia que apresenta o amor como sendo desejo, como sendo sexo. (Por isso mesmo tenho insistido em que, se é preciso termos educação sexual nas famílias e nas escolas – até para evitar a gravidez indesejada, o abuso sexual e a transmissão de doenças, inclusive fatais –, faz tanta ou mais falta educar para o amor).

***

Falar de amor num tempo de ódio é prioritário, como dizem de vários modos nossos dois autores. Vivemos, entre 1980 e 2010, trinta anos gloriosos – não como os após a Segunda Guerra Mundial, cuja glória esteve no desenvolvimento econômico dos países mais ricos e na formatação de um Estado do bem-estar social, mas como os do combate à fome e do avanço da democracia nos países mais pobres, entre eles o Brasil. Saímos, em 2013, do Mapa da Fome, ao qual lamentavelmente voltamos nos governos seguintes. Parecia vitoriosa a luta pela democracia. Poderíamos imaginar a grande regressão que depois veio? Poderíamos acreditar que pessoas queridas, até parentes nossos, viriam a apoiar governos que querem a morte de tantas pessoas, inclusive de seus consanguíneos ou amigos de infância?

Não por acaso, Juliana e Jamil insistem no papel democrático do amor e das paixões a ele correlatas, como a amizade. Lembro uma passagem de Jorge Luis Borges, quando evoca a homenagem de um guerreiro medieval ao inimigo morto. Lembro também uma observação atribuída a Margaret Mead, que data a humanidade (no sentido figurado e não como espécie, como qualidade ética) do osso humano que se recompôs de uma fratura: foi preciso haver quem cuidasse do ferido, quem o amparasse, até ele cicatrizar-se do machucado.

Noto que, nos últimos meses, me deparei várias vezes com essa referência ao comentário, genuíno ou não, da grande antropóloga. Quer dizer que cresce a esperança na ideia de que a humanidade, enquanto espécie humana, tenha a possibilidade de recuperar a humanidade enquanto sentimento de compaixão e prática de cooperação.

Ou lembremos a questão da ética do cuidado, levantada umas décadas atrás por Carol Gilligan. Ela parte de uma experiência proposta por seu mestre Kohlberg sobre o desenvolvimento moral da criança. Kohlberg colocava cada criança diante de um problema: a mãe dela estava à beira da morte, dependia de um remédio caríssimo para se curar, e o farmacêutico se recusava a dá-lo a ela. O que fazer então? Assim posta a questão, ela praticamente determina uma resposta ao modo de Antígona: a ética exige quebrar a lei. Dessa maneira respondiam os meninos, mas não as meninas, que insistiam em tentar persuadir o farmacêutico. Kohlberg disso inferiu uma deficiência das meninas na compreensão do problema – e do que ele chamou de ética da justiça –, mas Gilligan o contestou. O que elas expressariam seria uma ética do cuidado, um conjunto de valores em torno da convicção de que seria possível uma solução pelo acordo, não pelo confronto, não pelo corte (lembrando que decisão contém cisão, corte, no seu âmago). O modo masculino de ver as coisas seria incisivo, cortante; o feminino seria englobante, includente.

Ora, o avanço do papel das mulheres na sociedade atual não será sinal do que podemos chamar uma feminização crescente de nossa cultura? Notem que, ao contrário do que algumas autoras criticaram em Gilligan, nada disso supõe predicar uma essência masculina ou feminina, uma natureza belicosa do homem ou compassiva da mulher. Podemos seguir sua intuição entendendo-a como uma simples referência a papéis construídos ao longo dos milênios e que foram identificados a dois suportes diferentes, um o dos cromossomos XX e outro dos XY, mas podem estar presentes em homens e mulheres.

Se recuarmos no tempo, veremos que na sociedade medieval as mulheres, ou o feminino, desempenharam papel importante na adoção de costumes mais cuidadosos e respeitosos, processo que Norbert Elias chamou de “civilizar os costumes”. Foi a presença delas que levou, por exemplo, às maneiras modernas, como não cuspir na mesa (ou à mesa), não tomar a sopa diretamente da sopeira, não assoar o nariz sobre os pratos em que se servia o alimento. Esses cuidados, que hoje às vezes são associados, retroativamente, a intuitos higiênicos, na verdade se originaram de formas de respeito. Era respeitoso em relação ao outro, e em especial à mulher, abster-se de práticas que suscitassem o incômodo ou, mesmo, o asco.

A mulher era o outro por excelência. Pretendia-se agradá-la, conquistá-la: por isso, aqueles machões medievais, comparáveis a fazendeiros grosseiros de um Brasil que felizmente foi desaparecendo, a um Paulo Honório como o que Graciliano Ramos coloca em cena no seu São Bernardo, adotam modos que eles imaginam causar prazer às mulheres, e que seriam os delas. Por isso, faz sentido pensar aqui no amor materno: o amor que Juliana e Jamil dedicam ao Brasil é um amor de mãe.

É nosso país um filho? Todo país o é. Nenhum país é uma essência prévia a seus cidadãos. Toda pátria, ou mátria se assim preferirmos, é uma criação constante do afeto. Em português, chamamos de criança a pessoinha que estamos criando. Criar, em nossa língua, não é um ato fulgurante, instantâneo, como a criação divina do mundo a partir do nada, na versão judaico-cristã. É um trabalho longo, com muito afeto investido, que dura dez anos ou mais. Até pouco tempo atrás, por sinal, era uma tarefa da mãe, mais que do pai. E não é fortuito que o ódio que nestes últimos anos tomou conta de nosso país, e de tantos outros, nas mãos da extrema direita tenha tanto a ver com um retorno furioso do machismo.

Há homens que se sentem estranhos, perdidos num mundo em que perderam os privilégios que tinham por tão só haverem nascido num determinado sexo, classe, orientação sexual: e com o declínio da democracia desde a crise econômica iniciada em 2008, eles se consideraram autorizados a vingarem-se daqueles que se atreveram a se colocarem como seus iguais, pior que isso, a pensarem que podiam lhes ensinar algo novo e diferente.

Mas é esse o caminho do futuro, o dos diferentes, do “outro por excelência”, como foi a mulher por milhares de anos: e por isso Juliana e Jamil, querendo ambos devolver amor a um país que foi pilhado pelo ódio, escrevem ao Brasil (e sobre o Brasil) a partir da alteridade europeia, mas com um coração de quem se dirige a uma criança amada.






Professor titular aposentado do Departamento de Filosofia da USP. Autor, entre outros livros, de Maquiavel, a democracia e o Brasil (Estação Liberdade).




Canto indígena de Bruno Pereira vira remix por André Abujamra : " chorei muito ! "





"Eu não costumo ficar profundamente triste. Quem me conhece sabe que sou muito otimista e raramente faço a tristeza me dominar, mas hoje eu quebrei a espinha! Geralmente eu faço música como uma oração! Quando vi o vídeo do Bruno chorei muito e daí fiz esse remix! Meu amigo/irmão @mauro.renui fez o vídeo! força e amor", disse num post às 23h da terça-feira (13.jun.22) na sua rede social o Multi artista, cantor, compositor, guitarrista, percussionista, pianista, produtor musical, ator e diretor de teatro e cinema, André Abujamra, filho de Antonio Abujamra, um dos maiores diretores e atores do teatro brasileiro.

Publicamos na página do Facebook do MS Notícias o vídeo em que o indigenista Bruno Pereira estava entoando um canto indígena, o mesmo usado por Abujarana para fazer o remix de homenagem. Veja como ficou:


Com samples de cordas, flautas e percussões, a multiplicação das vozes e uma profusão de sons derramados, o compositor e arranjador impulsiona o canto solitário de Bruno, um homem só no meio da floresta a que devotou sua vida, às milhões de rotações do planeta. À sua real grandeza.

O vídeo de Mauro Renui convoca os passos de Chico Mendes, Dorothy Stang entre outros tantos heróis anônimos – entre eles os indígenas donos improváveis do território – a se somarem a Bruno Pereira e Dom Philips. A música sobe em círculos e vertigens, feito um mantra.

DESAPARECIDOS

Bruno está desaparecido juntamente com o jornalista Inglês Dom Philips, desde 5 de junho, quando estavam numa expedição jornalística no Vale do Javari, região do Oeste do estado do Amazonas.

Os dois, apaixonados pela floresta, sua flora e fauna, provavelmente estão mortos, mas serão tratados como vivos por aqui até que se prove o contrário.

Ontem o vídeo de Bruno começou a circular na internet, pouco após a esposa de Dom Philips dizer à imprensa britânica que seu primo havia sido informado pela embaixada que 2 corpos foram achados amarrados em árvores. Apesar disso, a Polícia Federal no Brasil negou que os corpos pertencessem à Bruno e Dom. A PF emitiu uma nota sobre isso, veja AQUI.




 

 

Para ler clique no link abaixo :

Busca por jornalista e indigenista na Amazônia está perto do fim, diz grupo indígena







Duas grandes atrizes. Uma declara seu lado enquanto a outra diz que não votará em 2022

 
Fernanda Montenegro  /  Marieta Severo




Nos links abaixo veja o que Marieta pensa do governo atual : 





Duas grandes atrizes. Uma declara seu lado enquanto a outra diz que não votará em 2022

 
Fernanda Montenegro  /  Marieta Severo




Nos links abaixo veja o que Marieta pensa do governo atual : 





Jornalista espanhol deixa a profissão indignado com guerra midiática contra a China



247 - O jornalista Javier Garcia, chefe da sucursal da agência noticiosa EFE na China, publicou no Twitter em tom de desabafo uma denúncia das manipulações feitas pela mídia empresarial, no quadro da guerra midiática contra o país socialista asiático. Essa guerra é comandada pelo Departamento de Estado dos EUA, escreveu.

"Em alguns dias deixarei o jornalismo, pelo menos temporariamente, após mais de 30 anos na profissão. A embaraçosa guerra de informações contra a China tirou uma boa dose da minha ilusão por este trabalho, que até agora havia sobrevivido a não poucos conflitos e outras sutilezas.

Vim para a China, como qualquer outro destino, tentando manter a mente aberta e livre de preconceitos. Sempre acreditei que a curiosidade e a capacidade de maravilhar-se, a par do rigor e da fidelidade à verdade, são os elementos básicos do jornalismo.

O que encontrei me surpreendeu. Por um lado, um país enorme, diverso e em constante transformação, cheio de histórias para contar. Um lugar inovador, moderno e tradicional ao mesmo tempo, em que o futuro se vislumbra e o destino da humanidade está de alguma forma em jogo.

Por outro lado, uma história da imprensa estrangeira - a grande maioria - profundamente tendenciosa, que segue constantemente o que a mídia dos Estados Unidos e o Departamento de Estado dos Estados Unidos querem nos dizer, aconteça o que acontecer.

Nessas informações, repletas de lugares comuns, quase não há espaço para surpresas, nem para uma análise minimamente verídica do que acontece aqui. Não há lugar para mergulhar nas chaves históricas, sociais ou culturais. Tudo o que a China faz deve, por definição, ser negativo.

A manipulação informacional é flagrante, com dezenas de exemplos no dia a dia. Qualquer pessoa que se atrever a confrontá-la ou tentar manter posições moderadamente objetivas e imparciais será acusada de ser paga pelo governo chinês ou pior. A menor discrepância não é tolerada.

As potências que estão promovendo a perigosa tendência de confronto com a China não deixam nada ao acaso. Seus fios aparentemente invisíveis alcançam os lugares mais insuspeitados. Qualquer pessoa que se desviar do caminho marcado será posta de lado ou marginalizada.

O tão proclamado totem ocidental da "imprensa livre" recebe assim, paradoxalmente refletido, sua imagem mais nítida na China: imprensa livre para dizer exatamente a mesma coisa, para não sair do roteiro pré-estabelecido, para enfatizar repetidamente o quão ruim é o "comunismo".

Mesmo as políticas que deveriam servir de exemplo, como o reflorestamento, sem paralelo, ou a saída da pobreza de 800 milhões de pessoas, sempre carregam o lema eterno de "mas a que custo", que a mídia anglo-saxônica usa ad nauseam ao noticiar sobre a China".

Acompanhe o fio.

Jornalista espanhol deixa a profissão indignado com guerra midiática contra a China



247 - O jornalista Javier Garcia, chefe da sucursal da agência noticiosa EFE na China, publicou no Twitter em tom de desabafo uma denúncia das manipulações feitas pela mídia empresarial, no quadro da guerra midiática contra o país socialista asiático. Essa guerra é comandada pelo Departamento de Estado dos EUA, escreveu.

"Em alguns dias deixarei o jornalismo, pelo menos temporariamente, após mais de 30 anos na profissão. A embaraçosa guerra de informações contra a China tirou uma boa dose da minha ilusão por este trabalho, que até agora havia sobrevivido a não poucos conflitos e outras sutilezas.

Vim para a China, como qualquer outro destino, tentando manter a mente aberta e livre de preconceitos. Sempre acreditei que a curiosidade e a capacidade de maravilhar-se, a par do rigor e da fidelidade à verdade, são os elementos básicos do jornalismo.

O que encontrei me surpreendeu. Por um lado, um país enorme, diverso e em constante transformação, cheio de histórias para contar. Um lugar inovador, moderno e tradicional ao mesmo tempo, em que o futuro se vislumbra e o destino da humanidade está de alguma forma em jogo.

VÍDEO : Repórter da Globo invoca Rebeca Andrade e faz salto incrível ao vivo




O repórter Diego Haidar, do RJTV, da Rede Globo, surpreendeu a audiência e as apresentadoras do programa ao mostrar seu talento na ginástica.

Ele fazia uma reportagem no ginásio do Flamengo, no Rio, e falava sobre a campeã olímpica Rebeca Andrade, quando resolveu fazer uma apresentação no solo.

“Eu treinei ginástica num breve período da minha adolescência e achei que não sabia mais de nada, mas o professor Ângelo que ajudou a descobrir que eu sei alguma coisinha ainda”, disse ele, modesto.

O jornalista, então, deu um salto incrível e ainda completou com um mortal, para delírio das apresentadoras.

Não, mentira”, disse uma delas, boquiaberta.



VÍDEO : Repórter da Globo invoca Rebeca Andrade e faz salto incrível ao vivo




O repórter Diego Haidar, do RJTV, da Rede Globo, surpreendeu a audiência e as apresentadoras do programa ao mostrar seu talento na ginástica.

Ele fazia uma reportagem no ginásio do Flamengo, no Rio, e falava sobre a campeã olímpica Rebeca Andrade, quando resolveu fazer uma apresentação no solo.

Paraninfo deixa formatura na Unisinos escoltado após discurso sobre ataques à imprensa


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Da Redação

Paraninfo da turma de formandos em Jornalismo da Unisinos, em São Leopoldo, Felipe Boff precisou deixar a cerimônia acompanhado por seguranças na noite de sábado (7), depois de, aos gritos e vaias, convidados do evento terem tentado impedir que o professor concluísse seu discurso. “A virulência desse ataque só reforçou a importância do que foi dito”, escreveu Boff em sua página no Facebook, onde compartilhou o discurso.

A coordenação do curso emitiu declaração de apoio e solidariedade ao jornalista e professor, na qual destaca que a fala foi corajosa e necessária, “principalmente na ocasião em que jovens colegas chegam ao mercado de trabalho, Felipe, embasado em dados e exemplos, alertava para o que deveria ser óbvio: o presidente da República vem constantemente ofendendo e destratando jornalistas”.

Na tarde deste domingo, a postagem de Boff já tinha mais de mil reações e centenas de compartilhamentos.

Confira o discurso proferido por Felipe Boff na cerimônia de formatura:

A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, como Vladimir Herzog. Hoje, somos insultados nas redes e nas ruas; perseguidos por milícias virtuais e reais; cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade. Todos sabem – mesmo aqueles que não acompanham as notícias – quem é o principal propagador dessa ameaça crescente à liberdade de imprensa. É o mesmo que também considera como inimigos os cientistas, professores, artistas, ambientalistas – como se vê, estamos bem acompanhados.

No ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada 3 dias.

Querem exemplos? “É só você fazer cocô dia sim, dia não.” “Você está falando da tua mãe?” “Você tem uma cara de homossexual terrível.” “Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai.”

É dessa forma chula e rasteira que o presidente da República, a maior autoridade do país, costuma responder aos jornalistas. Seus xingamentos tentam desviar a atenção das respostas que ele ainda deve à sociedade. Nos casos citados, explicações sobre o retrocesso da preservação ambiental no país, sobre os depósitos do ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da hoje primeira-dama, sobre o esquema da “rachadinha” de salários no gabinete do filho hoje senador, sobre o envolvimento da família presidencial com milicianos.

O presidente das fake news, que bate na imprensa cada vez que ela informa um fato negativo sobre ele e seu governo, é o mesmo que deu 608 declarações falsas ou distorcidas – quase duas por dia – ao longo de 2019. 

O levantamento é da agência de checagem Aos Fatos. Querem exemplos? “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo.” “Leonardo Di Caprio tá dando dinheiro pra tacar fogo na Amazônia.” “O Brasil é o país que menos usa agrotóxicos.” “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira.” “Nunca teve ditadura no Brasil.”

Em 2020, depois de completar um ano de mandato com resultados pífios na economia e desastrosos na educação, na cultura, na saúde e na assistência social, o presidente não serenou. Redobrou os ataques à imprensa. Aplicou o duplo sentido mais tosco à expressão jornalística “furo” para caluniar a repórter que denunciou a manipulação massiva do WhatsApp na campanha eleitoral. Atacou outra jornalista, mentindo descaradamente, para negar a revelação de que compartilhou vídeos insuflando manifestações contra o Congresso e o STF.

E segue promovendo o boicote à imprensa, com exceção daqueles que aproveitam o negócio de ocasião para vender subserviência e silêncios estratégicos. 

Aos veículos que não se dobram ao seu despotismo, o presidente da República impinge pessoalmente retaliações financeiras diretas, pressão sobre anunciantes e difamação de seus profissionais.

Pratica, enfim, toda sorte de manobras sórdidas para tentar asfixiar o jornalismo e alienar a população dos fatos. E já nem se preocupa em disfarçar suas intenções. Querem um último exemplo? Declaração de 6 de janeiro deste ano, dita pelo presidente aos jornalistas “Vocês são uma raça em extinção”.

Não, presidente, não somos uma raça em extinção. Ao contrário. Somos uma raça cada dia mais forte, mais unida, mais corajosa, mais consciente. Basta olhar para estes 21 novos jornalistas que estamos formando hoje. Basta ler os dizeres na camiseta deles: “Não existe democracia sem jornalismo”.

Esta é a mensagem a ser destacada nesta noite: quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes, que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece.

Para encerrar, gostaria de citar o exemplo e as palavras do grande escritor e jornalista argentino Rodolfo Walsh. Precursor da reportagem literária e investigativa e destemida voz contra o autoritarismo e o terrorismo de Estado, Walsh pregava que “Ou o jornalismo é livre, ou é uma farsa, sem meios-termos”. Dizia também que “um intelectual que não compreende o que acontece no seu tempo e no seu país é uma contradição ambulante; e aquele que compreende e não age, terá lugar na antologia do pranto, não na história viva de sua terra”.

Rodolfo Walsh foi sequestrado e assassinado pela ditadura argentina em 25 de março de 1977. Na véspera, publicara corajosamente uma “carta aberta à junta militar”, denunciando os crimes do sanguinário regime, que então completava apenas seu primeiro ano. 

Estas foram as últimas palavras que Walsh escreveu: “Sem esperança de ser escutado, com a certeza de ser perseguido, mas fiel ao compromisso que assumi, há muito tempo, de dar testemunho em momentos difíceis”.

Jornalistas, este é o nosso compromisso. Não deixaremos que a tirania nos cale mais uma vez.




O que o suicídio de uma apresentadora britânica linchada nas redes diz sobre o Brasil de Bolsonaro





Mauro Donato

No sábado passado, o linchamento virtual da internet fez uma jornalista cometer suicídio.

Caroline Flack, apresentadora de programas de reality famosos como Love Island (Ilha do Amor), tinha 40 anos e não suportou o tribunal de carrascos das redes sociais. 

Em dezembro do ano passado, Caroline Flack foi acusada de ter agredido o namorado, o tenista Lewis Burton. Devido à repercussão, foi afastada do programa. 

Mesmo com o namorado recusando-se a prestar queixa e declarando apoio a Caroline, o estrago perante a opinião pública já estava feito. 

A Justiça britânica, pressionada pelo populacho, deu andamento e chegou a decretar que a apresentadora mantivesse distância de Lewis Burton. Eles passaram o Dia dos Namorados separados por decisão judicial.

Ontem, Burton fez uma postagem terrivelmente triste no Instagram: “Meu coração está partido, tivemos algo tão especial (…) Sinto tanta dor, sinto muito sua falta.”



No Reino Unido há um agravante clássico: os tabloides. Jornais sensacionalistas fazem grande sucesso na ilha e amplificaram a gritaria da internet. Passaram os últimos dois meses massacrando Caroline Flack. Ela sucumbiu. 

O episódio de Love Island de ontem não transmitido, mas segundo a ITV o programa continuaria normalmente nesta segunda-feira.

O caso reacendeu, com intensidade de pira olímpica, a pauta da regulamentação das mídias sociais.

“Eu me preocupo com permitirmos que as empresas de mídia social se regulem. Em nenhuma outra área da vida permitiríamos que empresas privadas se policiassem. Devemos garantir que o estado tenha um sistema de regulamentação”, declarou Lisa Nandy ao jornal The Guardian. 

“A imprensa também tem que assumir responsabilidades. Não apenas pelo ódio e abuso, mas pela difamação constante dos deputados trabalhistas e líderes trabalhistas. Temos que fazer algo para diversificar nossa imprensa, para ter uma mídia melhor. Não eram apenas as mídias sociais, eram as mídias amplificando o que as mídias sociais estavam fazendo”, afirmou Keir Starmer, candidato à liderança trabalhista.

Ele tem divulgado que irá “diversificar” a imprensa caso substitua Jeremy Corbyn, atual líder do Partido Trabalhista.

O caso merece destaque no Brasil pela similaridade aos ataques sofridos por jornalistas, entre eles Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo.

Desde que expôs o esquema de disparos turbinados em grupos de whatsapp (e financiados por empresas) que colaboraram para a eleição de Bolsonaro, a jornalista tem sofrido ataques odiosos.

Após a última sessão da CPI das fake News, mais de um vídeo sugerindo que Patrícia é prostituta passaram a circular entre grupos de direita.

A ampliação das bobagens de MBL e grupelhos afins que nasceram nas redes sociais circulando memes e mentiras tornou-se um monstro que agora está fora de controle.

Patrícia Campos Mello hoje pode estar achando graça de videozinhos esdrúxulos comparando-a a prostitutas. Mas com o tempo, e inevitável intensificação dos ataques e ofensas, isso pode ganhar uma dimensão insuportável.

A apresentadora inglesa Caroline Flack já tinha sido vítima de tabloides e parecia ter tirado de letra. Em 2009 ela namorava com o príncipe Harry. Quando o relacionamento vazou para a imprensa, o tratamento foi grotesco, como sempre é nesses jornais.

“Eu não era mais Caroline Flack, apresentadora de TV, mas Caroline Flack, a ‘ficante’ do príncipe Harry”, disse ela na época. Decidiram terminar o namoro de maneira descomplicada.

Mas o subconsciente pode ser um acumulador implacável. A soma de casos isolados, ainda que aparentemente inofensivos, pode resultar em tragédias.



A morte de Paulo Henrique Amorim não é obra do acaso



morte Paulo Henrique Amorim


Paulo Henrique Amorim era o jornalista mais processado deste período digital. A ampla maioria das ações era movida por criminosos que não aceitavam ouvir o que ele falava. PHA estava sendo perseguido de maneira violenta.

Redação Pragmatismo

Três jornalistas que comentaram a morte de Paulo Henrique Amorim nesta quarta-feira (10) convergem em um ponto: a morte do editor do ‘Conversa Afiada’ não é obra do acaso.


“Combatendo com vigor na escuridão, seu coração não resistiu ao último golpe, o da Record”, escreveu a amiga e renomada jornalista Tereza Cruvinel, referindo-se ao afastamento de PHA de seu programa na TV Record após pressão do governo Bolsonaro.

“Paulo Henrique Amorim parte num momento péssimo. E provavelmente vítima dele e dos canalhas que o perseguiam. Ele foi o jornalista mais processado deste período digital. Na maioria das vezes por criminosos que não aceitavam que aquele baixinho carioca berrasse em alto e bom som o que lhes era merecido ouvir”, publicou Renato Rovai, editor da Revista Fórum e amigo pessoal de Paulo Henrique.


“Eu, aqui do meu canto, acho que Paulo foi ‘morrido’ por essa gente. Porque estava sendo perseguido de maneira violenta e recentemente, por pressão do governo, foi afastado da apresentação do Domingo Espetacular, da TV Record”, acrescentou Rovai.

Morte estudada

Para o jornalista gaúcho Moisés Mendes, a morte de Paulo Henrique Amorim precisa ser objeto de estudo. “Com suas circunstâncias, o contexto político e todos os seus significados, a morte de PHA deveria ser estudada já a partir de hoje à tarde nas escolas de jornalismo. Amorim foi morto pelo assassinato das grandes redações.”

“Hoje, as grandes redações são esvaziadas de qualquer possibilidade de resistência, porque são cada vez mais orientadas para serem cúmplices do poder. Amorim foi apenas um dos mais recentes expulsos do trabalho numa grande corporação […] Seu afastamento da TV Record ganhou manchetes porque ele era uma figura conhecida. Mas as redações passam por limpezas que a maioria não fica sabendo”, complementou Moisés.

O texto integral de Tereza Cruvinel sobre a morte de PHA pode ser lido abaixo. Os textos de Renato Rovai e Moisés Mendes podem ser lidos aqui e aqui.

por Tereza Cruvinel, em seu Facebook

“Obrigado, querida, disso entendemos nós dois: sobreviver”. Foi o que me disse Paulo Henrique Amorim no dia 24, em resposta à minha mensagem expressando solidariedade. Ele acabava de ser afastado do Domingo Espetacular pela TV Record, por pressão do governo intolerante, autocrático e autoritário de Bolsonaro.

Eu havia dito, na mensagem, que ele era um pilar da resistência e vítima do disfarçado e não comentado expurgo de jornalistas que vem acontecendo no país, afastando da mídia os combativos, os que não se vergam. “Eles passarão, nós passarinhos, ainda vamos gorjear”, eu disse ainda ele.

Paulo Henrique entendia mesmo de sobreviver. Eu, nem tanto. Combatendo com vigor na escuridão, seu coração não resistiu ao último golpe, o da Record. Não viveu para um dia gorjear , quando a luz finalmente voltar a iluminar o país com justiça, liberdade e democracia de verdade.

Falando e escrevendo, no estilo cortante que lhe era próprio e único, combateu o engodo, a mentira, a tempestade do ódio, o obscurantismo e o servilismo que tomou conta de boa parte da imprensa. Escandindo as palavras quando falava, ou construindo frases como quem amola a faca, PHA estava o tempo todo na trincheira.

Já fui tirada abruptamente por ato de força, quando o governo Temer interveio na EBC, logo depois do golpe do impeachment. Eu já não era presidente mas comentarista política e apresentadora na TV Brasil. O interventor Laerte Rímoli baniu imediatamente da rede pública uma penca de jornalistas.

Além de mim, Luiz Nassif, Paulo Moreira Leite, Emir Sader, Sidney Resende e outros mais. Havíamos feito uma cobertura intensa e pluralista da guerra contra Dilma, mostrando as duas faces do processo em curso. De repente, ficamos sem chão e sem voz. Imagine o que foi para PHA o golpe da Record, ele que há 14 anos apresentava o Domingo Espetacular.

Depois da covardia da Record, que cedeu à pressão dos que pediam a cabeça de PHA, ele continuou resistindo e combatendo no site Conversa Afiada e na TV Afiada. Ontem à noite ainda o li seu comentário sobre o áudio divulgado por The Intercept, em que o procurador Dallagnol festeja a liminar do ministro Fux impedindo Lula de dar entrevista antes do segundo turno da eleição.

“Hipócrita celebra a decisão de Fux que calou a imprensa “, escreveu ele, chamando agora Dallagnol de Dallainho. Já com data de hoje, outro texto falava da liberação de R$ 2,4 bi em emendas, pelo governo, para juntar votos a favor da reforma da Previdência. Paulo Henrique deve tê-lo escrito de madrugada, antes do infarto. Seu último dardo flamejante.

Caiu um pilar da resistência. Paulo Henrique não sobreviveu fisicamente, mas viverá no exemplo que deixou: como jornalista: não se calou nunca, não se vergou, não se vendeu, não se rendeu, não lambeu botas para preservar posições. Vai, PHA, você fez muito, travou o bom combate e se foi com dignidade.






Abaixo veja o último vídeo gravado por Paulo Henrique Amorim em 08/07/2019












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Vídeo : Joaquim de Carvalho e Zambarda contam como será a cobertura do DCM do julgamento de Lula em Porto Alegre



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Alex Cuadros : a leviandade jornalística a serviço do império



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Miguel do Rosário


A batalha mais difícil que teremos de enfrentar, para recuperamos a imagem do país, não é a política, cujo debate, mal ou bem, em virtude da internet, oferece um pouco de pluralidade e, sobretudo, profundidade.

Não é nem mesmo a jurídica, na qual os vencedores de hoje virão a ser os derrotados de amanhã, desde que a verdade, com sua força interna, se imponha sobre as “convicções”.

O front de guerra mais perigoso, mais traiçoeiro, é aquele da imprensa tradicional, porque ela é o instrumento principal do poder ideológico das classes e países dominantes, usado para perpetuar situações de extrema desigualdade que produzem sofrimento e miséria em toda parte.

Eu enfatizo o termo “imprensa tradicional”, porque refiro-me não apenas àqueles mesmos órgãos de imprensa suspeitos de sempre, mas a todas as histórias que se penduram, de maneira superficial e preguiçosa, nas narrativas consolidadas por aqueles órgãos, ou por seus subsidiários nos países periféricos.

O caso de Alex Cuadros, um jovem jornalista norte-americano que passou alguns anos morando no Brasil, como correspondente da Bloomberg, primeiro, e depois como colaborador de outras empresas, é emblemático.

Cuadros veio ao Brasil com uma missão curiosa: seria uma espécie de correspondente especializado na vida e negócios dos ultrarricos brasileiros.

Naturalmente, uma missão assim pressupõe que o jornalista em questão tenha uma personalidade suficientemente forte para enfrentar o assunto com desassombro: o investimento da Bloomberg nessa nova “editoria” certamente não visava produzir relatos de um repórter deslumbrado pela riqueza alheia. A agência pedia descrições vívidas, interessantes, informativas.

Encerrado o trabalho, Cuadros permaneceu no Brasil e escreveu um livro sobre os bilionários brasileiros, intitulado Brazillionaires, que foi traduzido e vendido por aqui também. Eu comprei o livro pela Amazon, ainda em inglês e o li.

É um livro que oferece passagens interessantes. Traz até a informação sobre a “mansão dos Marinho” em Paraty, ligada as histórias obscuras de lavagem de dinheiro, que os Marinho negam que pertençam a eles. O capítulo sobre a família Marinho, aliás, é o mais interessante do livro.

Mas outros capítulos revelam que Cuadros não conseguiu fugir do senso comum que, certamente, rodeava seu círculo de amizades enquanto morava no Brasil e, sobretudo, suas leituras da imprensa tradicional. A comparação entre a construção de usinas hidrelétricas, responsáveis por assegurar a soberania energética do país e, com isso, o nosso desenvolvimento, com “pirâmides do Egito” é uma das coisas mais estúpidas que eu tive a oportunidade de ler.

Ao mesmo tempo, é uma comparação que, de forma inconsciente, externa um sentimento imperialista em relação ao Brasil. Cuadros não encontraria jamais espaço para afirmar isso sobre a construção de usinas, refinarias ou hidrelétricas nos EUA, que podem até ser criticadas do ponto-de-vista ambiental, mas jamais comparadas com obras faraônicas que não teriam nenhum uso prático para os povos do Egito Antigo.

Já o Brasil, ah o Brasil! Construir refinarias, hidrelétricas, usinas nucleares, certamente só poderia ser uma iniciativa faraônica feita com intuito de enriquecer empreiteiras e roubar. Sergio Moro, com menos inocência que Cuadros, falaria coisas semelhantes em suas “palestras” para o mercado financeiro.

Hoje, Cuadros escreve sobre o Brasil para o site da New Yorker (não sei se os textos vão também para a edição impressa) e foi aí que voltei a encontrá-lo, e a me decepcionar – não apenas com Cuadros mas também com a New Yorker.

A New Yorker que eu conhecia, e gostava, publicava reportagens incômodas, originais, profundas, de gente como Gore Vidal e Truman Capote.

Os textos de Cuadros são notinhas superficiais, curtas, desinteressantes, escritas com um espírito preguiçoso e leviano, que apenas copiam clichês da mídia tradicional brasileira.

Seu último texto na New Yorker é uma resenha sobre recentes ameaças de golpe militar e… Jair Bolsonaro. Se o Brasil vivesse uma situação normal, talvez eu gostasse do texto, porque fala mal de Bolsonaro e dos militares. Mas não estamos numa situação normal. É um desses textos superficiais que, ao não mencionar nenhuma das causas reais dos processos políticos atuais, apenas reforça as mesmas narrativas que produziram as declarações de oficiais em prol de um novo golpe e o próprio Bolsonaro.

Quando Cuadros sai da mera descrição dos fatos relativos as ameaças militares e do anedotário sobre Bolsonaro, ele diz que “nesse meio tempo, deputados de distintas identidades ideológicas se uniram para minar o poder do judiciário”.

A afirmação é típica: ela integra o núcleo duro da narrativa dominante no Brasil, e é mentirosa.

O dever do jornalismo não pode ser, jamais, repetir o senso comum. A afirmação de Cuadros poderia vir de um esquerdista alienado, que acredita na Lava Jato e em Sergio Moro (uma categoria em declínio, felizmente), ou de um representante da antipolítica, que rejeita todos os partidos. Ou de um eleitor de Bolsonaro.

Sim, porque as pesquisas mostram que o principal apoio à Lava Jato e a Sergio Moro vem dos eleitores de Bolsonaro.

Nas manifestações em favor do impeachment, os mesmos grupos que defendiam uma “intervenção militar” foram migrando para a defesa de Sergio Moro – e isso não porque esses grupos se tornaram mais democráticos, e sim porque a “intervenção judicial” abraçou o autoritarismo brutal que esses grupos clamavam.

Quando partidos e políticos se unem em críticas ao judiciário, não é para “minar o seu poder”, como afirma Cuadros, e sim para tentar reconduzi-lo aos trilhos constitucionais.

Como Cuadros é um leitor da Folha de São Paulo e do colunista Josias de Sousa, talvez ele não saiba que vem florescendo, no Brasil, uma rica bibliografia contra o autoritarismo do judiciário brasileiro, assinada por nossos mais competentes juristas. Eu o aconselharia a ler as colunas de Lenio Streck, no Conjur, por exemplo.

Em “Estado pós-democrático”, livro lançado há poucos dias, o juiz de Direito Rubens Casara também faz uma denúncia sombria, dolorosa, terrível, contra o fascismo judicial que vem se alastrando no país – sobre o qual o jornalista Alex Cuadros, justamente pelo vício de ler a realidade brasileira apenas através de seus grandes meios de comunicação, não deve ter informação suficiente.

Cuadros omite dos leitores da New Yorker que foram esses mesmos meios de comunicação que apoiaram o golpe de 64, que sustentaram a ditadura, construíram a atmosfera que levou ao golpe de 2016, chancelam os ataques de Temer aos direitos sociais, e teceram a narrativa que fez Bolsonaro e o golpe militar se tornarem um risco real à democracia brasileira.

Curioso, eu acabei entrando num artigo de Alex Cuadros, também publicado no site da New Yorker, em julho, sobre a condenação de Lula.

O título diz tudo: “A mais importante condenação criminal da história brasileira”.

Se esse post fosse apenas sobre este artigo, e não sobre a leviandade jornalística, de uma forma mais geral, eu poderia intitulá-lo como “O mais vergonhoso artigo da história da New Yorker”.

No entanto, é um artigo curto, incrivelmente desonesto e superficial, ou seja, totalmente na contramão da ideia que eu tinha da New Yorker, no qual Cuadros apenas alinhava os principais chavões que sustentam a narrativa da imprensa corporativa do Brasil.

Durante toda a era Lula/Dilma, a imprensa brasileira vendeu a tese de que uma das funções mais importantes da imprensa era fazer a “crítica ao poder”. É um conceito nobre, mas sua prática, pela própria imprensa, sempre se revelou falsa: porque o único poder que ela efetivamente criticava era o poder do presidente da república. Ora, o poder jamais, em nenhum país democrático, está concentrado exclusivamente em mãos do presidente da república. Há o poder da própria mídia, que muitas vezes é superior. Há o poder das corporações privadas. O poder do mercado. O poder, sobretudo, do judiciário e dos estamentos jurídicos & policiais do Estado. Este último poder, aliado à mídia, tornou-se um monstro que, após devorar o voto de 54 milhões de eleitores e a própria democracia brasileira, vem engolindo direitos sociais, garantias individuais, patrimônio nacional, esperança, e não parece disposto a parar.

Onde está, na imprensa brasileira, a crítica a esse poder?

Não está.

E, com certeza, também não está nas resenhas preguiçosas de Alex Cuadros para a revista New Yorker.

A “condenação” de Lula por Sergio Moro é baseada na delação de um torturado, Leo Pinheiro, que mudou sua versão em relação ao apartamento de Lula apenas depois de ter seus pedidos de habeas corpus sistematicamente negados e não ter nenhuma esperança de um julgamento imparcial enquanto não fizesse o jogo sujo da Lava Jato.

Sobretudo, é uma condenação que não apresenta uma mísera prova contra o ex-presidente. Tanto é assim que centenas de juristas, perplexos e indignados, escreveram e publicaram, em tempo recorde, um livro com artigos denunciando essa condenação.

Ao não mencionar essas críticas, Alex Cuadros falseou a realidade e se alinhou à turma de Bolsonaro, aos golpistas, e contra todos que lutam por justiça social e por um Estado democrático de Direito no Brasil.

É também um artigo profundamente vulgar do ponto-de-vista intelectual, porque trata o judiciário como um poder isento, ignorando todos os absurdos que estamos testemunhando no país, e que culminaram com o suicídio do reitor da universidade federal de Santa Catarina, Luis Carlos Cancellier, acusado e preso em mais um desses intermináveis e insuportáveis processos kafkianos em que agentes do Estado se transformam em furiosos justiceiros.

A leviandade de Alex Cuadros, no entanto, tem uma função importante. Como todo jornalista da “imprensa tradicional”, Cuadros tem uma sensibilidade extremamente apurada para a autocensura e para a necessidade de ser manter fiel às narrativas centrais. Seu artigo sobre Lula é, portanto, apenas mais um entre milhares de textos escritos por jornalistas corrompidos por um sistema que é tanto mais brutal quanto é invisível.

Eu vou publicar um trecho (traduzido por mim) do artigo de Cuadros e identificar seus erros de análise.

Lideranças sindicais e políticos de esquerda convocaram um protesto contra o que eles consideram ser uma perseguição política, praticada por uma conspiração de direita para enterrar as chances de Lula retornar à presidência. “Isso não é democracia”, declarou Lindbergh Farias, senador pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em vídeo divulgado em sua página de Facebook.

O problema com essa teoria é que a Operação Lava Jato também atacou políticos de direita. O atual presidente, Michel Temer, que ajudou a orquestrar o impeachment da sucessora de Lula, Dilma Rousseff, é um dos que vários líderes conservadores que enfrentam acusações de corrupção (ele nega as acusações). Na verdade, políticos poderosos de direita e esquerda começaram, discretamente, a se unir contra a Operação Lava Jato. Nos bastidores, o PT tem notadamente agido com o partido de Temer com dois objetivos: anistiar políticos que usaram dinheiro de caixa 2 e restrição ao poder dos procuradores. No mês passado, Lula inclusive defendeu Temer publicamente, acusando o procurador-geral de “pirotecnia” e dizendo que ele deveria ser punido caso suas alegações não forem provadas.

Em sua condenação, Moro citou o escritor inglês do século XVII, Thomas Fuller: “Que você não esteja nunca tão alto, que a lei fique acima de você”. Isso é um conceito muito novo no Brasil.

Vamos começar pelo final, pela frase de Fuller que Moro achou no Google. É bem sintomático que Moro cite alguém do século XVII. Se estivesse mais conectado aos debates contemporâneos sobre direitos humanos e garantias individuais, Moro poderia citar, por exemplo, Luigi Ferrajoli, que o comparou, a ele, Sergio Moro, a um juiz da Inquisição. O depoimento de Ferrajoli, no entanto, foi omitido na grande mídia e, por isso, Alex Cuadros não o leu.

Sobre a frase em si, é mais uma dessas citações idiotas de Sergio Moro, como aquela outra de Roosevelt. Ora, no Brasil, ela deveria ser invertida para algo como: que a Lei nunca esteja tão alto, que esteja acima das garantias individuais.

O populismo penal que serve de fundamento aos arbítrios da Lava Jato, sobre punir “ricos e poderosos” é muito típico do fascismo. Ora, a ditadura militar também atingiu alguns “ricos e poderosos”. Os políticos cassados pela ditadura também seriam “poderosos”, e todos os empresários que não pactuaram com o regime foram perseguidos. Famílias de classe média, com dinheiro para pagar os melhores advogados do país, não conseguiram salvar seus filhos de tortura e assassinatos políticos. A Excelsior, principal tv do país, a Panair, importante companhia aérea, e inúmeros jornais prestigiados e “poderosos” foram censurados e perseguidos pela ditadura. Ou seja, perseguir “poderosos” não é nenhuma prova de democracia. No caso da Lava Jato, a perseguição a “poderosos” teve como premissa destruir os únicos setores da indústria brasileira que competiam internacionalmente, e que tinham capacidade tecnológica para fazer os investimentos necessários em áreas estratégicas, em especial no campo da energia.

Além do mais, há uma falácia aqui. Se a Lava Jato atinge políticos de vários partidos, o foco sempre foi o PT. Foi contra o partido dos trabalhadores que toda a narrativa lavajatiana se organizou. Os empresários presos tiveram suas relações com PT e Lula devassadas, enquanto as mesmas relações que tinham com outras agremiações eram omitidas, abafadas. Nenhum tesoureiro ou marketeiro de outros partidos foi preso. E vejam bem: a gente tem que tomar muito cuidado com essas armadilhas do punitivismo. Não interessa à democracia brasileira prender os tesoureiros ou marketeiros ou políticos de todos os partidos. O Estado não tem de perseguir ninguém.

Alex Cuadros não é um bom observador político, pois em caso contrário não poderia deixar de considerar que as ações da Lava Jato (prisões, vazamentos, depoimentos) sempre foram agendadas de olho numa agenda política que visava atingir o PT.

A perseguição a políticos de direita, como Michel Temer, não veio do núcleo original da Lava Jato. Foi um ensaio desastrado do procurador-geral, e que logo esbarrou na tradicional blindagem do establishment. Nem há comparação, de qualquer forma, entre as denúncias envolvendo Temer, Aécio, Geddel, que envolvem gravações, malas de dinheiro, e as que envolvem políticos do PT, a começar por Lula, que jamais trazem uma prova física e ficam a rodear teorias, estas sim ridiculamente conspiratórias, sobre propriedades de apartamento, sítios e pedalinhos, sem que se aponte conexões concretas, plausíveis, com esquemas de corrupção.

Volto a sugerir a Cuadros que leia o livro de Casara sobre o estado pós-democrático. Nele, há a denúncia sobre o uso de métodos democráticos apenas nas aparências, entre os quais justamente esta simulação de imparcialidade, que consiste em dar uma na ferradura após duzentos golpes no ferro.

O judiciário não é um poder absoluto. Suas decisões podem e devem ser criticadas. Se podemos apontar uma consequências positiva da Lava Jato é destruir, para sempre, a falsa conexão entre judiciário e justiça. Outra consequência importante é desmascarar o chapa-branquismo das narrativas da imprensa tradicional. Ela finge que é crítica ao poder apenas quando detecta que o poder migrou para outra parte. No Brasil, a imprensa é, historicamente, crítica à democracia e a toda forma de poder organizado da população, em especial de suas camadas mais humildes.

O nosso judiciário prende e persegue “ricos e poderosos” brasileiros e depois corre para o Brazil Institute, do Wilson Center (que eu chamo no Cafezinho de “think tank da CIA”), para prestar contas aos “ricos e poderosos” dos Estados Unidos, a começar pelo próprio presidente do Brazil Institute, Anthony Harrington, CEO da Albright Stonebridge, uma firma de lobby que atende aos interesses do governo americano e de suas principais corporações.

Entretanto, seria demais esperar que estes assuntos sejam tratados pela New Yorker ou seus repórteres neste momento. Se a imprensa norte-americana tradicional abordar os atuais esquemas de dominação de seu país sobre o nosso, será apenas daqui a algumas décadas.

O final do artigo de Cuadros é tão desonesto quanto absurdo:

Essa é uma disputa que desafia categorias ideológicas, jogando a maioria da classe política contra o público. Lula ajudou milhões de pobres do país, mas se alinhar com ele ajuda a minar a luta contra a impunidade.

De que tipo de impunidade fala Cuadros? Da impunidade de juízes e procuradores criminosos? Cuadros não parou para pensar que a corrupção no judiciário, que é igual ou maior à da classe política, se alia a seu autoritarismo, acentuado pelo fato de que, à diferença do Executivo e do Legislativo, ele é institucionalmente distante das classes populares?

Cuadros não parou jamais para pensar que se o judiciário condena sem provas (e não sou eu que o digo, mas centenas de juristas importantes), então não há, obviamente, nenhum combate à impunidade ou à corrupção, e sim uma instrumentalização inescrupulosa de um poder burocrático do Estado com finalidades políticas as mais escusas?

Alinhar-se com Lula, prezado Cuadros, contra procuradores e juiz, não é “enfraquecer” o judiciário, tampouco contribuir para a impunidade. Muito pelo contrário. O judiciário, como qualquer poder, precisa ser escrutinizado, reformado, aperfeiçoado, pela crítica constante, dura, da população.

E a luta contra a corrupção, como sabem todos que conhecem e estudam a história do Brasil, tem de ser expurgada de seus oportunistas, no judiciário, na política e, sobretudo, na mídia, porque estes costumam, com frequência, instrumentalizá-la para impor formas muitos mais terríveis de corrupção.



Postado em O Cafezinho em 14/10/2017



Imagine o que a " imprensa tradicional " faria

 se fosse o PT