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Garzón, o intrépido



Garzón recebeu a Medalha do Poncho Verde em 17/07/2012
Por Juremir Machado da Silva
O governador Tarso Genro não é homem de viver com a cabeça escondida na areia. Não tem complexo de avestruz. Tomou uma atitude que engrandece a sua gestão: criou a Comissão Estadual da Verdade. Mais do que justo e necessário. Tem gente que ainda se impressiona com os grunhidos dos defensores da ditadura. Alguns insistem numa estratégia viciada: investigar e punir os dois lados. Acontece que um lado, o daqueles que resistiram ao regime militar pelas armas ou não, foi investigado e punido. O outro, o dos torturadores e dos algozes do sistema, nunca foi incomodado. Tem torturador que anda por aí se refestelando ou dormindo em sofá feito gato gordo. Não dá mais. O Brasil tem muito a aprender com seus vizinhos platinos. Na Argentina, a visão dos que se opuseram à ditadura e por ela foram perseguidos vai entrar nos currículos escolares. Si!

Para coroar o seu gesto corajoso, Tarso Genro trouxe a Porto Alegre o juiz espanhol Baltasar Garzón, o homem que mandou botar Augusto Pinochet na cadeia. Como se diz no popular: esse é galo. Tiro o meu chapéu para ele. Pinochet foi um dos ditadores mais pusilânimes da América Latina. É triste ouvir alguém dizer que, ditador ou não, ele contou muito para a estabilidade econômica do Chile. A economia jamais pode servir de pretexto para a supressão da democracia. É melhor viver na crise econômica e social do que numa economia ditatorial perfeita. No Chile, bem entendido, não houve qualquer perfeição. Nem econômica. Houve um regime nojento. Garzón encarou Pinochet e também o franquismo. Como o leitor sabe, a Espanha conheceu uma chaga ao longo de boa parte do século XX, a ditadura de Francisco Franco, cuja influência ainda se faz sentir sobre os setores e indivíduos mais retrógrados do país. Pestes como Pinochet e Franco deixam marcas devastadoras.

Baltasar Garzón desempenhou um papel tão importante na conservadora Espanha que atraiu a fúria de muita gente. Passou a ser perseguido. Arranjaram pecados incríveis para ele. Foi suspenso da sua função de magistrado. Seu crime: prevaricação. Por quê? Por ter se declarado competente para investigar os crimes da repressão franquista. Sem dúvida, um crime bárbaro. O mesmo pode vir a acontecer no Brasil. Basta algum procurador declarar-se competente para investigar os crimes da ditadura brasileira. Alguns vêm tentando procedimentos semelhantes em relação aos chamados crimes permanentes. Por exemplo, os sequestros, que não prescrevem e não estariam cobertos pela Lei da Anistia. Garzón deveria ser condecorado. É um herói internacional. A Espanha deve ter mais orgulho dele que de Fernando Alonso e dos campeões do mundo e da Europa. Não é todo dia que se tem um sujeito com audácia para enfrentar o pior.

Pois é, teremos uma Comissão Estadual da Verdade sob a tutela simbólica de Garzón, o intrépido. Em Palomas, a palavra intrépido não existia. Ou ninguém a conhecia. Lá, o povo, na sua simplicidade, com o perdão do termo, dizia “que colhudo”. Ninguém tomava isso, nessa acepção, por palavrão. Intuía-se que a pessoa estivesse querendo dizer apenas isso: “intrépido”. Na pressa, falavam, na verdade: “Mas que cuiudo!”

Postado no blog Juremir Machado da Silva em 19/07/2012
Imagem inserida por mim

Centenas gritam "vergonha" em Puerta del Sol a maioria da Espanha apoia Garzón





61% da sociedade espanhola acredita que o juiz Baltasar Garzón é vítima de perseguição.

Por Redação de El País [10.02.2012 15h02]


Tradução de Idelber Avelar

Várias centenas de pessoas se convocaram de forma improvisada na Puerta del Sol para protestar contra a expulsão de Baltasar Garzón da carreira judicial. Entre acusações bem duras contra os juízes da Suprema Corte, o grito mais repetido pelos manifestantes foi o de “vergonha”. No protesto, estavam representadas várias associações de vítimas do franquismo. Na verdade, ao estilo das mães da Praça de Maio que davam várias voltas em torno a um monólito todas as quintas-feiras durante a ditadura argentina, vários grupos de pessoas, com cartazes reclamando justiça e fotos de algumas vítimas da repressão franquista, davam voltas à estátua de Carlos III no centro da Puerta del Sol.

A indignação contra os juízes do Supremo foi crescendo na medida em que mais gente ia se concentrando na praça. Os oradores vincularam, a todo momento, o caso das escutas de Gurtel com a investigação da repressão franquista. “Provoca indignação que um juiz que destapa o caso seja, pelo menos até agora, o único condenado por Gurtel. Parece que neste Judiciário os juízes independentes que queiram acabar com a corrupção incomodam”, apontava um dos oradores, membro da Plataforma contra a impunidade.

“Chega de máfia judicial”, gritava o público. “Depuração dos juízes franquistas” ou “fora franquistas do Tribunal Supremo”. “Temos memória, queremos justiça”. Os cartazes levados por muitos dos manifestantes também iam na mesma linha: “Espanha ao revés, corruptos e fascistas julgam o juiz”. “Escondem seus crimes botando Garzón pra fora”.

 61% afirma que Garzón é vítima de perseguição

A condenação a 11 anos de inabilitação ao juiz Baltasar Garzón por parte do Tribunal Supremo não é compartilhada nem compreendida por parte de uma ampla maioria da sociedade espanhola. A decisão do Supremo, que implica a expulsão do magistrado da carreira judicial, não foi recebida como um veredito justo, e sim como a culminação de uma perseguição contra ele. Uma pesquisa de urgência da Metroscopia, realizada nesta quinta-feira para El País, constata que só 36% considera que havia motivos suficientes para julgá-lo, enquanto que 61% afirma que Garzón “está sendo objeto de uma perseguição”.

Ante a sentença que o considera prevaricador por autorizar gravações das conversas na prisão dos indiciados da trama Gurtel com seus advogados, 65% dos pesquisados opina que um juiz deve poder interceptar estas conversas se considera que o que dizem extrapola o estrito direito à defesa. A tese contrária é compartilhada por 30%.

A decisão tomada pelo Supremo é só a primeira das três que recairão sobre o ex-magistrado, processado também porinvestigar os crimes do franquismo e por supostos pagamentos irregulares recebidos por cursos em Nova York. Uma enorme maioria (77%) afirma que não pode ser considerado um delito interrogar judicialmente os crimes cometidos pelo lado franquista na Guerra Civil. Só 18% dos consultados aponta que Garzón deve ser condenado.

Os processos abertos contra o juiz pelas escutas de Gurtel, os crimes franquistas e as supostas cobranças irregulares danificaram muito a opinião dos cidadãos sobre a justiça espanhola em geral – para 65%, ela piorou – e sobre o Supremo em particular – 62% tem agora uma opinião pior sobre ele.

Postado no Blog Revista Fórum em 10/02/2012

A inversão moral de nossos tempos !


Baltasar Garzón, a justiça e a corrupção

O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História.

Se alguém, ao ler estas notas, lembrar-se de Montesquieu com suas Cartas Persas, e de Tomás Antonio Gonzaga, que nelas se inspirou, para redigir as Cartas Chilenas, estará fazendo a ilação correta. O assunto nos interessa de perto, assim como o texto do barão de La Brède interessava aos mineiros de Vila Rica daquele tempo. O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História, para retomar a mesma sintaxe de sempre, que faz do crime, virtude; e, da dignidade, delito desprezível. 


No passado, era comum a frase esperançosa de que ainda havia juízes em Berlim. Embora ela viesse de uma obra de ficção, é provável que tenha sido autêntica, porque se referia a Frederico II, cuja preocupação para com a equidade da justiça era conhecida, conforme recomendações a seus ministros. Segundo a obra de François Andrieux (Le meûnier de Sans-Souci) e de Michel Dieulafoy (Le Moulin de Sans-Souci), ambos contemporâneos do grande monarca, essa foi a resposta de um moleiro, vizinho ao castelo famoso, quando o soberano, diante de sua recusa de vender-lhe sua propriedade, ameaçou confiscá-la. O humilde moleiro – talvez confiado na própria conduta habitual de Frederico II, disse-lhe que isso não seria possível, porque ainda havia juízes em Berlim. Havia juízes em Berlim e ainda os há, aqui e ali, mas quando homens como Garzón são submetidos a julgamento – e pelas razões alegadas pelos seus contendores – é de se perguntar se, em alguns lugares, ainda os há. Em alguns lugares, como em Washington, em que a Suprema Corte de vez em quando espanta os cidadãos, com suas decisões. E em outros lugares.

Baltasar Garzón surpreendeu a sociedade espanhola, com sua obstinação na luta contra os que lesam os direitos humanos, o crime organizado, a corrupção no Estado, os delitos dos serviços secretos em suas relações com grupos terroristas. Sua grande vitória, ao obter a prisão, em Londres, do ex-ditador Pinochet e seu posterior julgamento, pela justiça chilena, fizeram dele uma personalidade mundial. É certo que essa obstinação o transformou em magistrado incômodo. Alguns o vêem com a síndrome do justiceiro enlouquecido, espécie de Torquemada de hoje. Mas o pretexto que arranjaram para conduzi-lo ao mais alto tribunal da Espanha é, no mínimo, pífio. Garzón, a pedido das autoridades policiais, autorizou a escuta telefônica de algumas pessoas, detidas e em liberdade, com o propósito de impedir a destruição de provas e a continuação de remessas ilegais de dinheiro obtido do erário, ao exterior, e sua “lavagem”, mediante os métodos já denunciados no Brasil. 

Trata-se do famoso caso Gurtel, um entre muitos outros, na Espanha de hoje, em que a presença do franquismo e da Opus dei continua firme. Um grupo de empresários da comunicação e eventos, chefiados por Francisco Correa, intermediava contratos de toda natureza com os governos autônomos e municípios, chefiados pelos homens do Partido Popular, quando este estava à frente do governo nacional, e que agora retornou ao poder. O grupo corrompia as autoridades, com presentes, viagens e, sendo necessário, dinheiro vivo ou depositado na velha Suíça, em nome de políticos e seus laranjas. O dinheiro vinha das empresas candidatas aos bons negócios com o Estado, que “superfaturavam” os contratos. 

Os advogados dos bandidos – nessa inversão moral de nossos tempos – conseguiram processar o juiz Garzon, sob a alegação de que as escutas haviam sido ilegais. Ocorre que um juiz, que substituiu Garzón na causa, manteve as escutas e o próprio tribunal de Madri, de segunda instância, confirmou a autorização das interceptações telefônicas. O fato é que o julgamento de Garzón é de natureza política, seja ele um magistrado incorruptível, como é visto pela opinião pública, ou um deslumbrado pela notoriedade, como dele falam os inimigos. E é a inversão da lógica: ele está sendo processado por ladrões. 

Na segunda metade dos setecentos ainda havia juízes em Berlim, de acordo com o modesto moleiro de Potsdam. Resta saber se ainda os há em Madri. E em outros lugares.



Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.


Postado no Blog Carta Maior em 26/01/2012
Trechos grifados por mim.