Enquanto houver Marietas Severo, Faustões não passarão




Eduardo Guimarães



O último domingo foi um dia de efervescência política – como de costume, a partir de São Paulo. Em um improvável dia para tantas emoções, em geral reservado ao descanso ante a semana “útil” que recomeça, demonstrações públicas de civismo e de intolerância.

Por onde começar? Talvez pelo mais importante. O que seja, que nem tudo está perdido.

O título deste texto alude a episódio ocorrido na última edição do programa Domingão do Faustão. O assunto está “bombando” nas redes sociais por conta de uma cena rara, nos últimos tempos. Uma mulher de feições serenas, fala firme, porém suave, se contrapôs a um discurso absurdamente derrotista e deprimente, vertido por um importante comunicador de massas em uma concessão pública de rádio e tevê, transformada em palanque eleitoral de forma absolutamente ilegal e incompatível com a coisa pública.

Antes de prosseguir, um lembrete: a faixa do espectro radioelétrico por onde é transmitida a programação da Rede Globo é como que uma via pública, pertence a todos e não pode ser usada por grupos políticos ou seus representantes, ao menos não sem que grupos políticos de todos os matizes possam se manifestar em igualdade de condições.

Todos sabem que há décadas que as famílias que detêm concessões de rádio e televisão neste país usam essas concessões para difundirem suas opiniões político-ideológicas, mas, no último domingo, essa lógica sofreu um abalo.

Apesar da iniciativa lamentável do apresentador Fausto Silva de formular um discurso derrotista e partidarizado contra o grupo político que ocupa o poder, o que se torna lamentável por ele ter achado lícito fazer esse discurso, ocorreu uma surpresa. Ao contrário do que costuma acontecer, quando a discordância de posições tão polêmicas costuma ser reprimida pelas Redes Globo da vida, convidada do “programa do Faustão” enfrentou, com rara elegância, a estupidez que acabara de ser proferida por seu anfitrião.

O vídeo abaixo mostra como a atriz Marieta Severo, ex-mulher do cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda, respondeu a afirmação absurda de Faustão, de que o Brasil seria “o país da corrupção”, “da crise”, enfim, de toda sorte de desgraças por conta de uma situação econômica que não é boa, mas que está longe de ser tão ruim quanto as que viveu em passado não tão distante e que superou com grande sucesso, até há alguns meses.




O grande gol de Marieta foi dizer, com clareza, que viver uma crise econômica não é novidade. Para quem tem memória – e cérebro –, basta lembrar do que o Brasil viveu há pouco mais de uma década, quando políticos que hoje se apresentam como “salvação” para o país pilotaram crise que causou danos muito piores ao emprego, à renda e ao social como um todo, sem falar no estado de miséria em que deixaram a economia do país, ajoelhada aos pés do FMI e sem reservas internacionais.

E só para que não restem dúvidas de que Marieta sabe do que está falando, aí vão alguns dados sobre quanto o país melhorou nos últimos anos, apesar das dificuldades momentâneas.

Produto Interno Bruto:

2002 – R$ 1,48 trilhões

2013 – R$ 4,84 trilhões

PIB per capita:

2002 – R$ 7,6 mil

2013 – R$ 24,1 mil

Dívida líquida do setor público:

2002 – 60% do PIB

2013 – 34% do PIB

Lucro do BNDES:

2002 – R$ 550 milhões

2013 – R$ 8,15 bilhões

Lucro do Banco do Brasil:

2002 – R$ 2 bilhões

2013 – R$ 15,8 bilhões

Lucro da Caixa Econômica Federal:

2002 – R$ 1,1 bilhões

2013 – R$ 6,7 bilhões

Produção de veículos:

2002 – 1,8 milhões

2013 – 3,7 milhões

Investimento Estrangeiro Direto:

2002 – 16,6 bilhões de dólares

2013 – 64 bilhões de dólares

Reservas Internacionais:

2002 – 37 bilhões de dólares

2013 – 375,8 bilhões de dólares

Índice Bovespa:

2002 – 11.268 pontos

2013 – 51.507 pontos

Empregos Gerados:

Governo FHC – 627 mil/ano

Governos Lula e Dilma – 1,79 milhões/ano

Taxa de Desemprego:

2002 – 12,2%

2013 – 5,4%

Valor de Mercado da Petrobras:

2002 – R$ 15,5 bilhões

2014 – R$ 104,9 bilhões

Lucro médio da Petrobras:

Governo FHC – R$ 4,2 bilhões/ano

Governos Lula e Dilma – R$ 25,6 bilhões/ano

Falências Requeridas em Média/ano:

Governo FHC – 25.587

Governos Lula e Dilma – 5.795

Salário Mínimo:

2002 – R$ 200 (1,42 cestas básicas)

2014 – R$ 724 (2,24 cestas básicas)

Dívida Externa em Relação às Reservas:

2002 – 557%

2014 – 81%

Posição entre as Economias do Mundo:

2002 – 13ª

2014 – 7ª

Passagens Aéreas Vendidas:

2002 – 33 milhões

2013 – 100 milhões

Exportações:

2002 – 60,3 bilhões de dólares

2013 – 242 bilhões de dólares

Desigualdade Social:

Governo FHC – Queda de 2,2%

Governo PT – Queda de 11,4%

Taxa de Pobreza:

2002 – 34%

2012 – 15%

Taxa de Extrema Pobreza:

2003 – 15%

2012 – 5,2%

Mortalidade Infantil:

2002 – 25,3 em 1000 nascidos vivos

2012 – 12,9 em 1000 nascidos vivos

Estudantes no Ensino Superior:

2003 – 583.800

2012 – 1.087.400

Risco Brasil (IPEA):

2002 – 1.446

2013 – 224

Operações da Polícia Federal:

Governo FHC – 48

Governo PT – 1.273 (15 mil presos)

FONTES:

47/48 – http://www.dpf.gov.br/agencia/estatisticas

39/40 – http://www.washingtonpost.com

42 – OMS, Unicef, Banco Mundial e ONU

37 – índice de GINI: http://www.ipeadata.gov.br

45 – Ministério da Educação

13 – IBGE

26 – Banco Mundial

Notícias, Informações e Debates sobre o Desenvolvimento do Brasil: http://www.desenvolvimentistas.com.br

Como se vê, país avançou muito em pouco mais de uma década. Alguns números pioraram do fim do ano passado para cá, mas ainda são muito superiores ao passado e a piora é recente.

Desconhecer tudo isso, como fez Faustão, e difundir o derrotismo, o pessimismo a partir de opiniões tão pouco embasadas, baseadas em mera conjuntura – que, como demonstra o retrospecto acima, pode ser revertida como foi a situação dramática do fim do governo Fernando Henrique Cardoso –, é triste.

Mas Marieta salvou o dia.

No mesmo domingo, porém, outros fatos políticos opuseram lucidez e estupidez.

O ex-ministro Guido Mantega voltou a ser agredido publicamente. Desta vez, com virulência ainda maior. As cenas impressionantes sugerem que a agressão poderia ter sido até física, se ocorresse em local que facilita a violência, como a rua.







Apesar de, nesta vez, o restaurante ter tomado providências ao retirar os agressores, infelizmente eles puderam dar seu showzinho.

Porém, mais uma vez, após a tempestade vem a bonança. O Blog do Luis Nassif publicou breve reflexão de lucidez que mostra que há muita gente, por aí, que sabe que não se pode deixar o fascismo proliferar dessa maneira e que a forma de impedir é divulgar evidências do perigo desse tipo de comportamento.

A histeria nazista


O clima de histeria fascista, inteiramente criado pela mídia que abandonou o jornalismo para fazer política, em breve produzirá vítimas fatais. Os argumentos racionais se tornaram inúteis, já que muitas pessoas – incrivelmente mal informadas – pensam com o fígado.

No filme Cabaret, de Bob Fosse, Brian (Michael York) fica muito impressionado com a atitude beligerante dos jovens nazistas que agridem um judeu. O nobre Maximiliam (Helmut Griem) diz que ele não se preocupe. “Vamos deixar que eles acabem com os comunistas, depois nós acabamos com eles”.

O tempo passa e, num almoço campestre, Brian e Maximilian assistem um jovem nazista cantar uma linda canção patriótica (O futuro me pertence) que contamina a todos, homens e mulheres se emocionam em louvor cívico. Briam comenta: “Você ainda acha que eles podem ser controlados?”.

Todos sabem quem tinha razão.




Como se vê, o pior veneno pode vir em uma bela embalagem, muitas vezes em mensagens supostamente patrióticas, mas que contém nada além de ódio.

O fascismo (que permeou o surgimento do nazismo) inspirou-se no nacionalismo e na demonização de grupos acusados de ser responsáveis por todas as agruras do passado, do presente e do futuro. Algo como o que se vê na cena abaixo, o nacionalismo verde-amarelo e os demonizados de plantão.




Felizmente ou infelizmente – depende do ponto de vista –, não foi só. Um ínfimo grupo de representantes do Movimento Brasil Livre foi à inauguração da ciclovia da Paulista fazer provocação político-partidária, por a bela obra ter sido executada por uma prefeitura do PT. Contudo, todos os vídeos disponíveis mostram que foram manifestações isoladas de pessoas que querem impor seus pontos de vista a um direito da cidade de São Paulo de comemorar uma obra de seu interesse.





O grupo, de cinco pessoas, chegou a levantar faixas na altura da Praça do Ciclista, já nas imediações da Paulista com a rua da Consolação, mas a iniciativa foi considerada “afronta” e “provocação” por ciclistas e cicloativistas presentes – que devolveram com gritos de “fascistas, golpistas!” e “A Petrobras é nossa!”.

Nas camisetas usadas pelo grupo provocador havia o nome do movimento “Brasil Livre”, e, nas costas, a frase “Estatais gastaram mais que o previsto”.

Felizmente, assim como nos outros atos de intolerância, este último também foi enfrentado por um belo clima de festa, de congraçamento ante medida de interesse público que promete civilizar a cidade e que está sendo bem avaliada por especialistas e por expressiva parcela dos paulistanos, como mostra o vídeo abaixo, do insuspeito Estadão.



Enfim, foi um domingo intenso. Um domingo que resumiu o momento pelo qual passa o país, em que estupidez e lucidez disputam espaço.

Dirão que a estupidez está vencendo, mas não é bem assim. Os grupos que querem o quanto pior, melhor, podem estar se aproveitando da comoção episódica diante de ajustes pontuais na economia, mas este país tem potencial de sobra para superar essa conjuntura e voltar ao prumo em que vinha até há algum tempo e que acabará sendo retomado, que ninguém duvide.


Postado no Blog da Cidadania em 29/06/2015


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