Eu não sou Charlie


Not in my name

Lelê Teles: JE NE SUIS PAS CHARLIE

Maria Frô
“Não consigo entender o terrorismo que ceifou a vida de jornalistas da revista francesa Charlie Hebdo. Não consigo entender o racismo e desrespeito religioso da revista francesa Charlie Hebdo. Não consigo” Marcus Guellwaar Adún Gonçalves
Criticamos o humor ofensivo do CQC, Zorra Total, Praça é Nossa, Casseta & Planeta e outros quando seu alvo são grupos oprimidos e quando o preconceito explícito, travestido de humor, é justificado como liberdade de expressão. 

Por que não podemos criticar caricaturas racistas, homofóbicas, sexistas produzidas pela esquerda? A crítica a isso obviamente não é licença para qualquer justifica ao ato brutal do atentado fundamentalista contra 12 vidas ceifadas na redação do periódico francês. 

O humor ofensivo das páginas de Charlie Hebdo, por vezes, ultrapassou a islamofobia e chegou à caricatura racista.









Na charge, no traseiro de Dieudonné tem uma Quenelle* (tradicional prato francês, que lembra uma salsicha branca) introduzida. 

Charb aproveita-se dos termos homônimos para construir a piada com conotação homofóbica e a meu ver com um toque racista, pois ao retratar o comediante com a bunda para cima e com uma Quenelle exagerada que ao mesmo tempo parece brotar de seu traseiro, o chargista transforma o rolinho num rabo, contribuindo para animalizar a personagem retratada.

O "humor" cada vez mais ácido de Dieudonné atacando o sionismo e resvalando no anti-semitismo já sofreu várias sanções na França, o humor da Charlie Hebdo atacando o islamismo não sofreu sanções do Estado francês. 
O comediante Dieudonné M’bala M’bala é o criador do gesto Quenelle (o braço direito reto apontado para o chão), que os franceses de origem judia afirmam ser anti-semita e apelidaram de “saudação nazista reversa e os apoiadores de Dieudonné afirmam ser apenas um gesto vulgar de oposição a instituições francesas.




Aqui a "homenagem" do periódico a Michael Jackson quando de sua morte. 

É preconceito respondido com preconceito. Mas as autoridades francesas usam dois pesos e duas medidas em relação aos atores produtores dos preconceitos e as vítimas deles. Sonho com um dia que ao menos a esquerda consiga fazer algo diferente. 

Conheça a campanha de muçulmanos espalhados pelo mundo, esta sim, a meus olhos fazem todo o sentido: NOT IN MY NAME, que ilustra a capa deste post. 

Fiquem com o texto de Lelê Teles. 

*Agradeço a Natalie Kosloff que me esclareceu sobre o objeto não identificado (Quenelle) na charge de Charb sobre Dieudonné M’bala M’bala. 


Je ne suis pas Charlie


Lelê Teles

É lamentável que quatro excelentes cartunistas tenham sido mortos de forma brutal. Lamento também a morte das outras oito pessoas, duas delas policiais, um deles muçulmano. 



Lamento também que uma importante publicação de esquerda, histórica, tenha se prestado a um exercício vulgar de ofender, obsessivamente, líderes religiosos; porque, na verdade, só conseguem com isso ofender as pessoas que professam essas religiões. 

Alá tá lá, na dele. 

Charlie Hebdo, demonstrava uma certa obsessão pelo islã, as charges, o profeta de quatro, insinuando que ia comer um camelo… eram vulgares e sem propósito. 

Até aí, morreu neves. 

Mas o que de fato se pretendia com isso? 

Hebdo sabia quem e o quê queria provocar com sua obstinada insistência. 

Como bem disse o Therry Meyssan, “o Charlie Hebdo s’était spécialisé dans des provocations anti-musulmanes et la plupart des musulmans de France en ont été directement ou indirectement victimes”. [Tradução livre: Charlie Hebdo havia se especializado em provocação anti-muçulmana e a maioria dos muçulmanos na França teria sido direta ou indiretamente vítimas.”] 

Hebdo estava a testar se os fundamentalistas eram de araque? 

O fundamentalismo islâmico, esse covarde e extremamente radical, é sempre bom lembrar, é um produto do imperialismo ocidental. Os Estados Unidos alimentaram sujeitos lunáticos, inescrupulosos e sedentos por poder para combater o grande satã, o comunismo. 

Bin Laden nasceu daí, e disso todo mundo sabe. 

Enquanto cresciam as milícias sanguinárias, protegidas por uma falsa camada religiosa, espancando estudantes, fuzilando professores laicos, colocando as mulheres “na linha”, o Ocidente aplaudia. 

É lá, é com eles, é o efeito colateral. Melhor que termos os comunistas sentados sobre as maiores reservas de petróleo e gás do mundo. 

É bom frisar que os fundamentalistas, recuso-me a chamá-los de islâmicos, não fabricam armas e que as nações “santinhas” estão a encher as burras com todo esse terror. 

Lembram das terríveis imagens de Gaddaffi, assassinado brutalmente por sicários ensandecidos? Limparam a área pra turma da toca ninja. 


Hebdo, desculpem-me a franqueza, mas era um inocente útil. Seu jornal, que tinha os maiores chargistas do mundo, estava perdendo leitores, porque sua leitura obstinada, fundamentalista, estava cansativa. 


Ir contra o profeta Maomé era pedir briga, não com os muçulmanos, mas com os fanáticos. 


Dizer que o crime em França atenta contra a liberdade de expressão é de um lugar comum risível. 

O fundamento dos fundamentalistas é cercear a liberdade de expressão. E eles são contra a liberdade de expressão de todos aqueles que não pensam como eles, sobretudo muçulmanos. 

Descobriram isso agora quando morreram não-muçulmanos? 

Agora as trapalhadas, obsessivas, do jornal satírico fará com que a Europa se volte contra os muçulmanos, que a rigor nada têm a ver com esses sicários. 

Para os muçulmanos, as charges Charlie Hebdo são apenas ofensas reprováveis e desrespeito, como o foi Je Vous Salue Marie para os cristãos. 

Mas Hebdo sabia que provocava a ira dos sicários e parecia gostar disso. Para os islamofóbicos aquilo era um prato cheio, mais cedo ou mais tarde, embora os muçulmanos convivessem com Hebdo, os fanáticos iriam agir, e o mundo faria crer que agiam em defesa de todos os muçulmanos. O que é uma fraude. 

Os Estados Unidos invadiram o Iraque e destruíram o Afeganistão embasado numa premissa dessas. 

Doze franceses mortos? Sério que é isso que comove o mundo agora? Os extremistas matam pessoas a todo momento, matam sobretudo muçulmanos. 

Mataram a sangue frio o policial muçulmano que pediu para não morrer. Repito, esses caras matam muçulmanos às pencas, o mundo não se compadece. 

Essa histeria comovida, somos todos Charlie, me lembra o 11 de setembro. Não vi essa tristeza toda quando eles entraram no Mali abrindo fogo. Quando o Estado Islâmico executou, covardemente, dezenas de pessoas no Iraque, ninguém disse Somos Todos Iraquianos. Que recorte é esse? 

Allahu Akbar!


Postado no Portal Fórum / Maria Frô em 09/01/2015 


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