O ouro do Jalapão


Brasil feito à mão
“Nem tudo que reluz é ouro”


Maraísa Ribeiro

É carnaval, São João, final de campeonato em Mumbuca, povoado do município de Mateiros, a 190 quilômetros da capital Palmas, no Tocantins. 

Os meses de setembro e outubro são os ideais para a colheita do capim dourado

Daí, o clima da maior festa local. A regra, quase lei, cumprida por pelo menos três gerações, foi definida por observação pelos descendentes quilombolas vindos da Bahia no início do século 19. As razões, hoje com comprovação da ciência, são claras como a luz do sol.


Os paredões de arenito da Serra do Espírito Santo

Paredões de arenito de até 800 metros, Serra do Espirito Santo, é a geografia do lugar. O solo é bom condutor de energia e 12 horas de sol são suficientes para que a temperatura da terra nesta época chegue a 60 graus. À noite, os grãos de areia liberam a energia retida durante o dia e a temperatura cai para 10 graus. É a inconstância dessa natureza delicada que confere a esta espécie de capim o brilho do ouro. 

Mas ele só reluz por toda sua eternidade, se for colhido nesta época, com a temperatura do solo chegando a 60 graus. E mais, além de aguardar o tempo certo, quem participa nos mutirões de colheita sabe que se puxa e bate o capim para que ele largue as sementes para o próximo ano. Safra garantida, cada um tem cota também definida. O suficiente para produzir o artesanato e o sustento do novo ano. 

Daldiva é uma das artesãs de Mumbuca 

O manejo e a sabedoria desse povo podem ter sido a salvação do capim dourado, que teve registro nos Estados do Maranhão e Piauí, mas hoje é considerado endêmico do Jalapão (TO). 

Mumbuca soube guardar uma riqueza, arte feita de capim vereda, que brilha como ouro. Arte que dona Miúda, a matriarca, só fez multiplicar. “Hoje tá estendido por todo o Mundo”, contou-me orgulhosa na minha primeira visita (Leia,“Meu capim dourado”). 

Hoje, mais de 60 mulheres artesãs estão reunidas numa associação. A maneira rústica dos primeiros tempos ganhou novas formas e utilidades, depois dos cursos do Sebrae, iniciativas do Estado e de organizações não governamentais. Bolsas já foram dadas como presente para rainha e chefes de Estado. Descansos de mesa foram parar nas paredes, como obras de arte 

Mas a arte é banalizada, quando cai nas mãos de quem só vê “ouro”. Daí, o capim é colhido de forma predatória e, claro, o resultado não é o mesmo. O brilho natural vai perdendo a luz… Ah, joga fora, né. Depois compra outro! 


Os descansos de mesa, hoje, peças de decoração

Tenho descansos de mesa, comprados no meu primeiro encontro com Daldiva, que se transformaram em objeto de decoração. Olho todo o dia para o capim reluzente, que ainda me lembra Mumbuca, seus campos, veredas… E, principalmente, que “nem tudo que reluz é ouro”. 

Peixe Solto: Quando estiver conhecendo uma região, descubra também o Brasil feito à mão. Procure comprar diretamente do artesão ou somente nos centros oficiais de artesanato. Vale a pena conferir de perto e valorizar as mãos de quem realmente faz este País mais bonito. 


Povoado de Mumbuca 


Jalapão (190 km de Palmas, TO)

Mateiros, Tocantins

Fone/comunitário: (63) 3576.1092


Postado no blog Peixe Solto em 30/08/2012



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