Teló, BBB e os conceitos sobre cultura



Por Sylvio Micelli em 10/01/2012 
Os assuntos mais discutidos na primeira semana de 2012, ao menos nas redes sociais (que hoje pautam muita coisa), versam sobre a capa da revista semanal Época com o cantor (?) Michel Teló e sobre o início de mais uma edição do Big Brother Brasil transmitido pela Rede Globo de Televisão. Por sinal, apenas para constar, Época e Globo pertencem à mesma organização.
O paranaense Teló foi parar na capa da publicação por ser o “cantor, compositor, multiinstrumentista” que mais tocou nas rádios em 2011. Sua música (?) “Ai Se Eu Te Pego” vendeu horrores. Ele fez centenas de shows, ganhou um bom dinheiro e a segunda revista semanal mais vendida do Brasil achou por bem colocá-lo na primeira capa do ano. Mais que isso: destinou 12 páginas, isso mesmo, 12 longas páginas, e o apresentou como a tradução de “valores da cultura popular para os brasileiros de todas as classes”. Teló está na dele. Não tem culpa nenhuma.
Big Brother Brasil, por sua vez, completa 10 anos de transmissão e chega à sua 12ª edição. A temática é mesma de sempre, em que pese a produção do programa tentar dar uma reciclada. Trancafia pessoas dentro de uma casa. Elas deverão viver e conviver com as diferenças ao longo das semanas. O jogo vai se desenrolando. As máscaras caem e o mais forte, ou o mais popular, ou o que der mais retorno de mídia, sagra-se o campeão. Tem gente que fez carreira artística e até política no jogo.
Para o paredão
Vamos, enfim, aos fatos.
Inicialmente, fico numa enorme sinuca de bico. Porque se eu elevar Teló e o BBB à condição de “cultura” irei contra tudo aquilo que suponho ser cultura e estarei a nivelar, por baixo, o que efetivamente entendo que seja cultura. Se eu chamar o músico e atração global de subcultura, os patrulheiros de plantão (e eles sempre estão presentes) vão me chamar de preconceituoso, quiçá burguês, e de desrespeitar a cultura, que eles assim entendem, diversificada e multifacetada do meu país. Então sobram duas óticas: Teló e BBB são estratégias de marketing para ganhar dinheiro. E muito dinheiro. Simples assim.
No caso do cantor, você pega um rapaz do interior do Paraná, jovem e simpático, que cai no gosto de jovens iguais a ele. Cria uma música (?) de pouquíssimos versos e de letra paupérrima, põe uma pegajosa melodia e usa de todos os métodos para que isso vire um hit. O resultado é infalível. Não é a primeira vez que acontece e também (infelizmente) não será a última. O Brasil passará por Teló, como já passou pelo Tchan, Créu, dancinha da garrafa e tantas coisas efêmeras que depois apodrecem nos sebos da vida.
BBB é a catarse humana em versão compacta. Da mesma forma que se coloca uma dúzia ou mais pessoas dentro de uma casa, para que se suportem – mas no fundo sendo todos inimigos e buscando o prêmio ou fama (ou ambos) – também em nosso dia-a-dia lidamos com diversas pessoas que adoraríamos mandar para o paredão (e vice-versa), mas que a santa hipocrisia social nos (os) impede.
Três questões
Há, ainda, uma outra ótica. Essa muito mais perigosa e é dela que devemos (ou deveríamos) nos reguardar. Teló e BBB são braços fortes da grande mídia, em busca da hegemonia na comunicação, como nos ensina o mestre Vito Giannotti do Núcleo Piratininga de Comunicação. Quando a Época decreta que Teló traduz “valores da cultura popular para os brasileiros de todas as classes”, ela quer dar hegemonia ao Brasil. Dizer que somos todos felizes como os smurfs e que a música de Teló, que faz sucesso com a doméstica e com o empresário, acaba por aproximar todos nós. Olha que lindo! Um país sem preconceitos, onde todos somos rigorosamente iguais.
Por outro lado, o BBB, que (lembrando) pertence ao mesmo grupo de Época, mostra que, sob confinamento, vence o mais forte ou o que cai no gosto da população. Dessa mesma população hegemônica que discutirá nas próximas semanas quem deve ir para o paredão e ficará a bisbilhotar se um novo casal é feito na casa (e, certamente, dois são desfeitos fora). Então, todas as terças à noite, o mercador de ilusões Pedro Bial, de forma histriônica, unirá um país de norte a sul porque todos estarão (assim eles querem que seja) interessados em descobrir quem se dará mal naquela semana.
Essa hegemonia, meus caros, é o nosso grande problema. O Brasil deveria buscar a discussão de assuntos de mais importância. Claro que devemos ter lazer. Claro que o lúdico, mesmo de gosto duvidoso, é importante. E aqui não reside nenhum preconceito da minha parte. É que a hegemonia faz com que boa parte dos cidadãos acredite que tratar de temas polêmicos não lhes pertence. Mas pertence, sim. Só nesta semana posso destacar três: as questões que envolvem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a tentativa de abertura do Poder Judiciário, as chuvas que voltam sempre em janeiro (a natureza é perfeita) e o pouco que se fez desde a desgraça do ano anterior e as eleições de 2012 que chegam logo, e há muito que mudar.
Conceitos de cultura
Enquanto deveríamos gastar nosso tempo com isso, e reitero que não se trata de discussão de elites, a mídia hegemônica nos impõe coisas “desimportantes”. E isso também não é novidade. É o “velho e bom” panis et circenses com que a Roma Antiga brindava seu povo. A única diferença é que os gladiadores de hoje não derramam uma gota de sangue sequer.
Ao final de tudo, mantenho a esperança de que dias melhores virão. Sempre acredito que o Brasil, enquanto sociedade, ainda é novo e devemos passar por tudo isso para que possamos amadurecer e chegar, um dia, aos conceitos de cultura de países nem tão longínquos daqui como a Argentina ou o Chile.
Já estaria feliz.
***
[Sylvio Micelli é jornalista]
Postado no Blog Observatório da Imprensa

Nenhum comentário:

Postar um comentário